O crime compensa no Brasil ?

Quando o crime deixa de punir o culpado e passa a punir o cidadão comum, a economia da confiança entra em colapso. Entre a troca voluntária que gera riqueza e o roubo que destrói valor, o Brasil precisa decidir de que lado quer estar

PhD Bertoncello

10/20/20253 min ler

A compensação econômica é o resultado do processo de troca voluntária entre agentes econômicos, em que cada parte entrega algo que valoriza menos em troca de algo que valoriza mais, gerando um excedente subjetivo de satisfação. Temos clássicos que demonstram isso; o mais conhecido é Adam Smith (1776): “Não é da benevolência do padeiro, do cervejeiro ou do açougueiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.”

Mas há um italiano chamado Ferdinando Galiani (1751), de quem gosto muito, que descrevia o surgimento do lucro nas trocas voluntárias como um subproduto da interação entre a utilidade subjetiva e a escassez percebida. Para ele, o valor não é objetivo ou fixo, mas emerge de uma proporção composta por esses dois elementos: “o valor é uma razão que, por sua vez, é composta de duas outras razões expressas pelos nomes de utilidade e escassez”.

Em resumo, “compensar” significa que todos ficam felizes com o resultado alcançado. Mas como devemos definir crime? O antigo Dicionário Aurélio define de forma clara: Crime (s.m.) 1. Ato contrário à lei; infração penal punida com reclusão ou detenção. 2.Ato considerado moralmente condenável ou ofensivo à sociedade. 3.Violação grave de normas éticas ou religiosas. 4.Ação reprovável que causa dano a outrem.

Mas o Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940) não apresenta uma definição explícita e autônoma do conceito de “crime”. Em vez disso, o conceito é construído pela doutrina e pela legislação penal complementar, especialmente pela Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.914/1941), que diferencia o crime das infrações menos graves. Em resumo, de acordo com o artigo 1º da Lei das Contravenções Penais, cada crime é definido para determinar a pena do infrator, e não em função do prejuízo da vítima.

Vamos a um exemplo simples: quando você comprou seu celular, tanto você quanto a loja e a fábrica receberam suas recompensas, e todos ficaram satisfeitos com essa troca voluntária, perfeito. Mas agora observe o universo desse mercado no Brasil: temos aproximadamente 268 milhões de linhas de celulares, o que representa cerca de 1,2 celular por habitante, e são vendidos cerca de 42 milhões de novos aparelhos por ano. Em outras palavras, em média, o brasileiro troca de celular a cada seis anos. Um mercado enorme que satisfaz a utilidade e a escassez para todos os envolvidos.

Por outro lado, o número de boletins de ocorrência de roubo de celulares no Brasil em 2024 foi de aproximadamente 917 mil. Mesmo sabendo que muitas pessoas não registram a queixa na polícia e que esse número pode ser ainda maior, podemos considerar, para fins de análise, cerca de 1 milhão de roubos de celulares por ano. É um dado assustador. Imaginando um valor médio de R$ 2.500,00 por aparelho, os criminosos destruíram cerca de R$ 2,5 bilhões em valor pertencente aos usuários de celular no Brasil.

Voltando à nossa pergunta: esse crime compensa no Brasil? Infelizmente, sim. Afinal, como definido no Código Penal, é considerado uma falta leve. Porém, olhando pelo lado do brasileiro, é impossível considerar R$ 2,5 bilhões como algo leve. E, pela ausência de punição efetiva, temos ladrões, receptadores e compradores se especializando, felizes e enriquecendo com o crime.

Um país que olha para um crime, seja ele qual for, e foca a atenção na dosimetria da pena, sem considerar o prejuízo causado à vítima, não vai dar certo. Tem por destino estimular os crimes “leves” que, infelizmente, são a escola para delitos maiores e mais graves, com danos potenciais profundos para todos nós.