Vai dar certo ou é o fim do jogo justo?
Os impactos de câmbio, comércio e decisões empresariais no desenvolvimento social, destacando políticas de Trump, reações da China e esperança em negociações democráticas.
PhD Bertoncello
4/8/20256 min ler


Em um artigo anterior, critiquei duramente os economistas que, em nome de interesses totalitários ou globalistas, parecem ter comprometido sua integridade intelectual, vendendo suas almas a narrativas que distorcem a realidade econômica em prol de regimes ou agendas centralizadas. Essa visão, inicialmente recebida com ceticismo, vem se comprovando à medida que os desdobramentos econômicos globais revelam as fragilidades de modelos teóricos desconectados da prática. O avanço de políticas protecionistas, crises cambiais e o crescente esgarçamento social em nações dependentes de exportações demonstram que as advertências sobre os limites da ortodoxia econômica não eram infundadas. Longe de serem meras abstrações, as dinâmicas aqui discutidas refletem escolhas reais que afetam tanto mercados quanto sociedades.
Nesse contexto, a atuação do presidente Donald Trump, com suas políticas comerciais assertivas e seu reposicionamento da economia americana no comércio internacional, demonstra que é possível desafiar o establishment global sem abandonar os fundamentos econômicos. Embora tachadas de protecionistas ou impulsivas, suas medidas — como a imposição de tarifas e a reorganização das cadeias produtivas — encontram respaldo teórico na literatura econômica, sobretudo quando analisadas sob a ótica dos modelos de câmbio flutuante. Como afirma Dornbusch (1976), “as expectativas e os choques monetários podem causar variações abruptas e desproporcionais na taxa de câmbio, exigindo respostas imediatas e não convencionais”. Complementarmente, Hausmann e Hidalgo (2011) mostram que “a complexidade das exportações de um país está diretamente ligada à estabilidade de sua moeda e ao grau de sofisticação de sua estrutura produtiva”. As ações de Trump, portanto, podem ser lidas como uma tentativa de realinhar o câmbio americano com os fundamentos produtivos da nação.
Para compreender as relações temos que aprofundar em alguns pontos; relações entre câmbio flutuante; impactos macroeconômicos de superávits ou déficits comerciais prolongados; decisões empresariais microeconômicas; e os desdobramentos para o desenvolvimento social de um país. Sem paixões convido a leitura.
Na vida real
É insustentável a ideia, muitas vezes defendida por economistas institucionalizados, de que os superávits ou déficits comerciais prolongados não influenciam significativamente o valor ou a estabilidade das moedas nacionais no longo prazo. A realidade empírica mostra o oposto: os Estados Unidos, por exemplo, apesar de manterem déficits em conta corrente por décadas, sustentam o dólar como moeda de reserva global unicamente por causa de sua posição geopolítica, militar e do tamanho dos seus mercados financeiros. No entanto, esse privilégio não é replicável. Já o Japão, com recorrentes superávits comerciais desde o pós-guerra, consolidou o iene como uma moeda estável e de baixo risco, tornando-se um porto seguro para investidores em tempos de instabilidade global (Krugman e Obstfeld, 2012). A valorização ou desvalorização de uma moeda, portanto, é fortemente condicionada pelo desempenho externo sustentado de sua economia e não pode ser tratada como irrelevante. Como afirma Thirlwall (1979), “a taxa de crescimento de um país no longo prazo está condicionada por sua capacidade de manter o equilíbrio externo sem recorrer a desvalorizações contínuas”.
No entanto, muitos países recorrem a regimes de câmbio fixo ou controlado para sustentar superávits comerciais, desafiando as regras do fair play internacional e manipulando as forças de mercado. A China é um exemplo clássico, mantendo o yuan artificialmente desvalorizado por décadas, o que impulsionou exportações anuais superiores a US$ 3 trilhões em 2022, mas atraiu críticas de parceiros como os Estados Unidos, que impuseram tarifas em resposta. Na União Europeia, antes do euro, países como a Itália usavam desvalorizações competitivas da lira para ganhar vantagens comerciais, uma prática que Robert Mundell alertou como insustentável em sistemas monetários integrados (MUNDELL, 1961). O Japão, por sua vez, interveio no mercado cambial nos anos 2000 para evitar a apreciação excessiva do iene, enquanto os Estados Unidos, sob Trump, acusaram tais estratégias de dumping monetário. Essas ações, como Jagdish Bhagwati analisou, podem gerar crescimento econômico às custas de tensões globais (BHAGWATI, 1958), evidenciando que o câmbio controlado é uma ferramenta estratégica, mas não isenta de consequências.
Por outro lado, políticas cambiais, sejam elas flutuantes ou fixas, não substituem as decisões empresariais que, guiadas pela Teoria da Firma e pela Teoria dos Jogos, buscam o sucesso global independentemente de tarifas ou nacionalidades. Nos Estados Unidos, empresas como a Apple maximizam lucros terceirizando produção para a China, ajustando-se a custos e câmbios conforme a lógica de Ronald Coase, que enfatiza a eficiência na alocação de recursos (COASE, 1937). Na União Europeia, montadoras alemãs como a BMW utilizam estratégias de oligopólio, previstas por John Nash, para competir globalmente, indiferentes às flutuações do euro (NASH, 1950). O Japão exemplifica isso com a Toyota, que diversifica plantas industriais pelo mundo para mitigar riscos cambiais, enquanto empresas chinesas como a Huawei expandem mercados apesar de barreiras tarifárias. Assim, o lucro, e não a bandeira nacional, é o norte dessas firmas, mostrando que as decisões microeconômicas transcendem as políticas macroeconômicas.
É justamente por essa dinâmica entre macroestrutura e decisão empresarial que os governos acabam sendo pressionados a apresentar resultados sociais tangíveis. A população, naturalmente, cobra por empregos, renda, bem-estar e segurança. Quando a política cambial, a competitividade empresarial e o desempenho externo estão desalinhados, as tensões sociais se intensificam. Não é por acaso que crises no comércio externo — como as vividas pela Grécia, Argentina ou mesmo o Reino Unido no Brexit — resultam em desemprego, fuga de capitais e deterioração dos indicadores sociais. Como defendem Hausmann e Hidalgo (2011), o sucesso de um país não está apenas em exportar mais, mas em exportar com maior complexidade, o que gera empregos qualificados e capacidade de adaptação econômica. O desenvolvimento social, portanto, é um resultado direto da convergência entre políticas macroeconômicas consistentes, decisões empresariais eficientes e inserção externa bem-sucedida. Negligenciar qualquer uma dessas frentes é condenar a sociedade à estagnação e ao esgarçamento social.
Resumindo
Ao observarmos o cenário internacional atual, é inegável que as políticas de reciprocidade e reposicionamento estratégico adotadas por Donald Trump produziram resultados concretos. Ao enfrentar a complacência do livre-comércio irrestrito, sua administração reabriu o debate sobre soberania produtiva, câmbio justo e equilíbrio comercial — com impacto direto nas decisões de empresas e governos. Contudo, a reação global ainda está longe de se encerrar. A China, como regime centralizado e autoritário, não responde às mesmas pressões sociais que moldam as democracias. Ao contrário, tende a intensificar sua intervenção estatal, manipulando o câmbio, subsidiando empresas e ajustando estratégias comerciais sem consulta pública. Esse comportamento evidencia que, na prática, regimes totalitários não jogam o mesmo jogo que as democracias, e ao fazê-lo, ameaçam a estabilidade global ao transformar o comércio em uma arma de dominação ideológica e geopolítica.
Ainda assim, há razões para manter a esperança. O fortalecimento dos laços entre Japão, União Europeia e Estados Unidos aponta para um novo ciclo de cooperação estratégica entre democracias avançadas, dispostas a alinhar seus interesses econômicos com valores políticos. A construção de blocos comerciais baseados em transparência, regras claras e respeito mútuo pode garantir não apenas prosperidade material, mas também a sustentação de regimes livres em um mundo cada vez mais instável. A escolha que temos à frente não é apenas entre crescimento ou estagnação, mas entre prosperidade com liberdade ou prosperidade sob vigilância autoritária. Que saibamos construir um futuro em que a riqueza seja distribuída com dignidade e o comércio seja instrumento de paz, e não de controle.
Referência
BHAGWATI, J. Immiserizing growth: a geometrical note. The Review of Economic Studies, v. 25, n. 3, p. 201-205, 1958.
COASE, R. H. The nature of the firm. Economica, v. 4, n. 16, p. 386-405, 1937.
DORNBUSCH, Rudiger. Expectations and Exchange Rate Dynamics. Journal of Political Economy, v. 84, n. 6, p. 1161–1176, 1976.
HAUSMANN, Ricardo; HIDALGO, César A. The Atlas of Economic Complexity. MIT Press, 2011.
KRUGMAN, Paul; OBSTFELD, Maurice. International Economics: Theory and Policy. 9. ed. Pearson, 2012.
MUNDELL, R. A. A theory of optimum currency areas. The American Economic Review, v. 51, n. 4, p. 657-665, 1961.
NASH, J. Equilibrium points in n-person games. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 36, n. 1, p. 48-49, 1950.
THIRLWALL, Anthony P. The Balance of Payments Constraint as an Explanation of International Growth Rate Differences. Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, n. 128, p. 45–53, 1979.
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