Foi uma jogada de mestre ou de louco?

O embate estratégico entre Estados Unidos e China sob a ótica da geopolítica, economia comportamental e teoria dos jogos. Destaca o papel do mercado como espectador vulnerável ao medo e à incerteza diante das jogadas das superpotências.

PhD Bertoncello

4/10/20253 min ler

Com o retorno de Donald Trump à arena política e seu recente baile tarifário no mundo e que na verdade foi contra a China, novamente o mundo se vê dividido entre aliados e não aliados dos Estados Unidos. A aplicação seletiva de tarifas — ignorando parceiros como México e Canadá, mas mirando diretamente na China — revela mais do que uma política comercial; trata-se de uma estratégia deliberada de guerra econômica. O oponente foi claramente escolhido, e a resposta foi calculada. Aparentemente inspirado em Maquiavel, que defendia a necessidade de agir com astúcia e até mesmo crueldade quando o poder está em jogo, Trump reconfigura o tabuleiro internacional ao colocar em marcha uma política que remete a Carl von Clausewitz, para quem a guerra — inclusive a econômica — é a continuação da política por outros meios. O que se vê é um movimento onde o confronto é desejado, não evitado, e onde a ameaça se torna parte central da diplomacia.

A resposta da China, por sua vez, foi marcada por uma postura de resistência, retaliando com tarifas próprias em vez de ceder às pressões americanas, um ato que revela tanto coragem quanto vulnerabilidade. Esse posicionamento encontra eco nas ideias de Sun Tzu, cuja "Arte da Guerra" enfatiza a importância de conhecer o inimigo e a si mesmo para enfrentar batalhas com confiança, mesmo diante de um oponente mais poderoso. Fortalecida por décadas de crescimento econômico, concebido pela politica americana, e com uma visão estratégica de longo prazo, a China viu na ofensiva americana uma oportunidade de afirmar sua ascensão global, rejeitando a submissão. Todavia, essa escolha também ressoa com o "Leviatã" de Thomas Hobbes, no qual a rejeição da ordem imposta por um soberano pode levar ao caos, como o de uma guerra comercial. Ao se erguer como antagonista explícito, a China expôs sua posição no jogo, revelando uma interdependência comercial que torna o confronto custoso para ambas as partes.

Enquanto as superpotências trocam movimentos, o mercado global assume o papel de espectador, incapaz de influenciar diretamente o desenrolar do conflito, mas profundamente afetado por suas consequências. A escalada das tarifas introduziu um comportamento de risco econômico, com empresas hesitando em investir e cadeias de suprimentos globais sofrendo interrupções, um cenário que reflete o viés do status quo descrito na economia comportamental: os atores preferem a estabilidade conhecida, mas, privados de um ponto de ancoragem previsível, sucumbem ao medo. Cada nova medida tarifária ou retaliação assemelha-se a uma jogada arriscada em um tabuleiro de xadrez, colocando o mercado em uma posição de risco e conforto. Esse paradoxo — o ódio entre Estados Unidos e China coexistindo com uma retrodependência comercial — desafia os observadores a compreenderem como a incerteza molda decisões econômicas, uma reflexão essencial para quem busca aprender sobre os impactos da geopolítica nos sistemas financeiros.

O embate entre Estados Unidos e China configura-se, assim, como um jogo estratégico no qual os Estados Unidos, até o momento, parecem deter a vantagem. Neste xadrez, os Estados Unidos controlam o centro do tabuleiro, como o Deep Blue contra Kasparov em 1997, restringindo as opções chinesas por meio de sanções e alianças como o QUAD, que reúne Japão, Índia e Austrália. Ainda assim, a vitória não está assegurada: a China pode estar planejando um contragolpe, talvez um sacrifício tático que abra caminho para uma reviravolta, ou aguardando um erro americano em um cenário de alta complexidade. A incerteza permanece como elemento central, ensinando ao estudante que, em jogos de poder, a vantagem momentânea não garante o triunfo final, exigindo análise contínua e cautela interpretativa.

Como analista e como cidadão, prefiro que o lado democrático prevaleça sobre o autoritário. A liberdade, a economia aberta e o respeito aos direitos individuais são pilares que sustentam não apenas as sociedades livres, mas também os mercados confiáveis. Ainda assim, faço parte da plateia chamada mercado. Busco lucro, proteção de patrimônio e previsibilidade. E sei que, enquanto dois gigantes se enfrentam com toda sua força estratégica, o espectador precisa entender o tabuleiro, reconhecer os blefes e antecipar os riscos. Ignorar a geopolítica é negligenciar uma das variáveis mais determinantes da estabilidade econômica contemporânea. O medo e a estratégia caminham juntos, e quem observa precisa decidir se continuará apenas assistindo ou se começará a se preparar.